Quando o Mazda RX-8 chegou, em abril do ano passado, foi saudado pela crítica com um entusiasmo pouco comum no meio especializado. Jornalistas europeus, assim como americanos, não economizaram adjetivos para elogiar a performance do motor, o comportamento esportivo e a facilidade de condução no limite. "É o melhor carro que dirigi neste ano", afirmou Jeremy Clarkson, ao volante do RX-8 durante a avaliação gravada para seu programa de TV, na BBC. Clarkson é o mais ácido crítico especializado em automóveis do Reino Unido, uma celebridade no país cuja paixão por carros é algo indiscutível. Assim como é respeitado, é temido e odiado com igual intensidade por executivos e engenheiros de montadoras. Já no estúdio, questionado sobre a afirmação, Clarkson saiu-se com um "eu estava mentindo!". Uma atitude bem ao seu estilo, um iconoclasta temperado com algumas gotas de cinismo e boa dose de humor corrosivo. O fato inegável é que ele se divertiu um bocado "detonando" um RX-8 na pista, como puderam testemunhar os espectadores ingleses do programa Top Gear.
Há quase dez anos, o Mazda RX-7 deixava de ser comercializado nos Estados Unidos. Diante do primeiro caso de sucesso comercial com o motor rotativo, a Mazda já trabalhava em um novo modelo, visando ganhos em durabilidade, consumo e emissões. Mas, antes que ele entrasse em produção, a Ford assumiu o controle da Mazda e colocou o projeto na gaveta.
Foram alguns anos até a Ford perceber que um carro com motor rotativo (também conhecido por Wankel, em homenagem ao seu criador, o alemão Felix Wankel) não era apenas mais um produto no portfólio da Mazda. Em 1999, a sensação no Salão de Tóquio foi o RX-Evolv, um concept car que serviria de base para o novo RX-8.
A marca do seu visual são os traços vincados. No capô nota-se um triângulo no centro - uma alusão ao pistão rotativo, a alma do Wankel. Na traseira, as lanternas dominam e utilizam um plástico translúcido nas lentes e máscara cromada por quase toda sua extensão. Um segundo triângulo fica ao centro, entre as saídas de escape. Na busca de uma solução visualmente esportiva para o sedã, os estilistas da Mazda optaram por portas traseiras que se abrem no sentido oposto ao tradicional, para a direita, as chamadas portas tipo suicida. Para reforçar ainda mais o disfarce, não há maçanetas externas. As portas traseiras têm de ser abertas por dentro.
Ao se entrar no RX-8, uma sutil iluminação em tom azul sobre os mostradore dá as boas-vindas. São três focos de luz, um para cada grupo de instrumentos: à esquerda estão concentrados os indicadores do nível de combustível e da temperatura da água, ao centro fica o conta-giros e à direita estão o marcador de temperatura do óleo e o hodômetro total e parcial. E o velocímetro? Ele é digital e está incorporado ao conta-giros. Mais uma vez o triângulo se faz presente na manopla da alavanca do câmbio e, vazado, também no encosto de cabeça dos bancos dianteiros, que têm formato de concha e vestem bem o motorista. Quando se liga a ignição, a iluminação azul cede espaço para a iluminação convencional do painel, em tons de vermelho e branco. O tom avermelhado também toma parte do console central, onde estão o rádio e os comandos do ar-condicionado digital. Próximo do freio de mão ficam os botões do sistema de navegação, opcional.
No mercado americano o RX-8 custa 26680 dólares. O preço do carro que você vê nas fotos beira os 34000 dólares. Isso porque os bancos com aquecimento, revestidos de couro (preto e vermelho), o controle de estabilidade, os faróis de xenônio e o sistema de navegação são opcionais. Um de seus rivais por lá é o Nissan 350Z, cujo preço também está na casa dos 26000 dólares, uma barganha em se tratando de carros deste naipe e temperamento. Os comandos do RX-8 parecem "orbitar" ao seu redor. Tudo está à mão, com a facilidade de o volante e os bancos contarem com regulagem de altura. O Mazda é um carro baixo - tem 13,5 centímetros de altura em relação ao solo - e a posição de dirigir do sedã é de esportivo, bem mais próximo do chão que num colega de espécie. Para quem viaja atrás, a abertura das portas - apesar de estreitas - e a ausência da coluna central facilitam o acesso. Mas a realidade é que apenas dois adultos viajam com conforto a bordo do RX-8.
Até aqui você deve estar se perguntando por que cargas d'água Jeremy Clarkson rasgou elogios a este Mazda. Mas basta girar a chave e acordar o motor para você começar a duvidar de que ele estivesse, de fato, mentindo. Nesse momento, um ruído metálico invade a cabine. Na primeira acelerada, em vez de um ronco grave, como todo esportivo, o que se ouve é um ziiiing. Essa é a forma de os 238 cavalos, vindos do motor 1,3 litro com dois pistões rotativos (veja quadro com mais detalhes no final desta página), manifestarem sua disposição. A alavanca de câmbio é baixa, com engates curtos que primam pela precisão. Logo depois de engatar a primeira, descobri que o câmbio de seis marchas também tem escalonamento curto. Isso tem lá seus motivos - para que o motor trabalhe em rotações mais altas. O RX-8 tem 90% do seu torque disponível a partir das 3250 rotações. Nessas horas, a elasticidade do motor Wankel mostra-se outro ponto forte. Ele vai bem até as 9000 rpm, permitindo boas retomadas sem ter que trocar as marchas. E tome ziiiing no ouvido.
O desempenho em linha reta do RX-8 impressiona - ele chega aos 100 km/h em cerca de 6 segundos, de acordo com a Mazda. O mais legal de tudo é observar a agulha do conta-giros voar até a faixa vermelha - que começa em 8500 rpm - antes de trocar de marcha. Mas meu interesse era ver como ele se comportaria nas curvas. Principalmente no quesito rigidez torcional, lembrando do fato de o RX-8 ter quatro portas sem a coluna central. A prova foi subir o monte Santa Inês, em Santa Bárbara, por uma estrada chamada Camino del Cielo. E, quanto mais forte eu fazia as curvas, mais o carro me instigava a acelerar. E nada de a carroceria torcer. Segundo a Mazda, a rigidez do RX-8 é maior que a de seu antecessor, graças a reforços no chassi. Parte desse bom desempenho está ligada à distribuição certeira de peso (50% na dianteira e 50% na traseira) e ao uso dos pneus 225/45 ZR18. O Mazda é equilibrado, mas responde às provocações à altura. Com tração traseira e motor dianteiro - e controle de estabilidade desligado -, eventuais excessos vão resultar em uma patinada das rodas motrizes nas saídas de curva. A partir daí, dá-lhe contra-esterços no volante para manter o RX-8 na trajetória. É o paraíso na pista para os adeptos do modo "com emoção". Quer saber? Acho que o Clarkson não estava mentindo, não.
Círculo virtuoso |
O motor Wankel possui as mesmas quatro fases de um motor convencional - admissão, compressão, expansão e exaustão -, com a diferença que três desses tempos ocorrem simultaneamente. O pistão rotativo, que é triangular, divide o interior do motor em três câmaras com volume variável. Enquanto a mistura ar-combustível é injetada, um lado do pistão está fazendo a compressão e o outro dando vazão aos gases. Em seguida, ocorre a expansão da mistura comprimida, a continuação do escape e uma nova injeção de combustível. O motor do RX8 - também chamado de Renesis ("re" vem de Rotary Engine e "nesis" é uma alusão à palavra genesis, "nascimento"). A mudança na localização da janela de escape e o aumento de sua área melhoraram o desempenho a ponto de dispensar os turbocompressores do antecessor. O Renesis promete ser mais durável, com uso de material mais resistente na fabricação do pistão, que ficou 14% mais leve. |
ADMISSÃO (amarelo) O disco rotativo abre espaço para a entrada da mistura ar-combustível COMPRESSÃO (laranja) Uma das paredes do disco comprime a mistura e a vela produz a faísca, provocando a explosão que impulsiona a rotação do pistão EXPANSÃO (verde) Após a faísca, os gases se expandem e empurram um dos lados do rotor, gerando movimento EXPULSÃO (vermelho) Escape dos gases produzidos |
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